Foi em 1975 que Nelson Rodrigues publicou uma de suas colunas mais memoráveis em O Globo.
Narrando uma ocasião onde o país havia tido um “super-feriado” que se estendia entre uma sexta-feira e se prolongava até a terça de manhã, Nelson narra com certo descrédito o que vê na praia, após 4 longos dias de feriado: uma imensidão de umbigos que se amontoam para curtir as areias de Copacabana como se o feriado ainda estivesse ali.
Em suma, o dramaturgo descreve que “o brasileiro tem alma de feriado”.
É uma síntese poderosa, daquelas que lhe faz pensar nos motivos que levam tantos a publicar teses e mais teses sobre os problemas institucionais brasileiros.
Sérgio Buarque de Holanda, por exemplo, dedica suas obras a explicar o conceito do “Homem cordial”, uma herança brasileiros dos tempos de colonização ibérica que contrapõe as noções de civilidade e acentua o personalismo do brasileiro, sempre cordial e afeito a informalidade.
Outros tantos economistas se debruçam sobre a noção de instituições inclusivas ou extrativistas para explicar o Brasil.
Por fim, todos chegam à mesma conclusão de Nelson Rodrigues em outra de suas tiradas: subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos.
E neste quesito, como em poucos outros, somos especialistas, como você pode conferir nesse resumo das maiores bizarrices regulatórias brasileiras.
O PROCESSO QUE DUROU 125 ANOS
O famoso Palácio Guanabara, localizado no bairro de Laranjeiras, zona sul da cidade do Rio de Janeiro, foi alvo de uma disputa judicial que se iniciou em 1895. O processo foi movido inicialmente pela então princesa Isabel, que junto com seu marido, o conde d’Eu, questionavam a posse do imóvel pela família imperial brasileira.
A família imperial alegava que o Palácio teria sido construído exclusivamente para a habitação do conde e Princesa, com recursos vinculados ao Tesouro Nacional. Com a morte da Princesa e então a queda da monarquia, o processo perdurou sendo guiado pelos descendentes da família Orleans e Bragança. De modo que, somente em 2020, 125 anos após seu início, o STF negou a posse à família imperial.
Como justificativa da decisão, a ministra Rosa Weber declarou:“Com a proclamação e a institucionalização da República, as circunstâncias fundamentais que justificavam a manutenção da posse do palácio deixaram de existir, tendo em vista que foram extintos os privilégios de nascimento, os foros de nobreza, as ordens honoríficas, as regalias e os títulos nobiliárquicos”
A TRIBUTAÇÃO DO CROCS
No dia 29 de agosto de 2017 o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) teve a difícil tarefa de determinar se os famosos calçados “Crocs” deveriam ser definidos como sandália ou sapato, iniciando mais uma das bizarrices regulatórias brasileiras.
A companhia Crocs Brasil Comércio de Calçados Limitada iniciou o processo jurídico quando foi orientada por um auditor fiscal a alterar a classificação fiscal das mercadorias importadas para o país. Um ano após a mudança a empresa foi multada e cobrada a pagar o direito antidumping que segundo as autoridades não teria sido pago anteriormente.
Segundo a classificação tributária, a alíquota para sandálias e sapatos é 0%. Porém o valor cobrado na multa foi referente às diferenças de valores dos direitos antidumping das duas classificações.
O tema foi julgado pela 1ª turma da 3ª Câmara da 3ª Seção do CARF, que deu parecer favorável à empresa, julgando o crocs como uma “sandália de borracha”. Desta forma a multa foi cancelada pois a empresa teria sido induzida ao erro.
ACIDENTE DOMÉSTICO PODE SER CONSIDERADA ACIDENTE DE TRABALHO
Uma decisão realizada pela Justiça do Trabalho em meados de 2015 coloca em cheque as leis trabalhistas existentes para o home office. Na ocasião, os juízes consideraram a queda de uma funcionária da Avon Cosméticos na escada de sua própria residência como um acidente de trabalho. Segundo a funcionária, ela estava saindo para um trabalho externo quando caiu e fraturou o pé.
O caso foi julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Pará, que deu parecer favorável à funcionária. A Avon recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), porém os ministros mantiveram a decisão do TST de condenar a empresa a pagar o valor de R$20 mil por danos morais, além de pagar os salários referentes ao período de 12 meses que, segundo o tribunal, deveria ter sido considerado como período de estabilidade em virtude do acidente, mais uma das bizarrices regulatórias brasileiras.
4 TRIBUTAÇÕES DISTINTAS SOB A FEIJOADA
Indo na contra-via dos bons exemplos de sistemas tributários mundiais, o Brasil cada vez mais se afunda em diversas mudanças de alíquotas sobre produtos específicos. Mudanças essas que implicam em diferentes formas de tributação em produtos que são considerados como “iguais”.
O exemplo mais claro que evidencia o manicômio tributário no qual vivemos é o caso da feijoada. Atualmente a alíquota da feijoada varia de acordo com a quantidade de carne de porco presente na receita e sua origem (pois o ICMS tem origem estadual). A carne de porco por si só paga 12% de ICMS, com crédito de ICMS passa para 7%, já a carne salgada paga 18%, com crédito passa para 11%.
IMPOSTO SOBRE IMPOSTO
Com sua tramitação iniciada em 1998 no STF, o julgamento relativo à incidência ou não incidência de ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins retrata o quão ineficiente e complexo é o sistema tributário brasileiro, uma das bizarrices regulatórias brasileiras tradicionais.
Em 2017, 19 anos após o início do julgamento, a tese foi finalmente fixada após diversos julgamentos e mudanças na composição da Corte, afirmando que “O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins”. Com isso, tecnicamente a União perdeu, mas não se conformou com isso e pediu a modulação dos efeitos, alegando que o impacto dessa decisão pode ter.
De fato, o próprio documento referente ao julgamento relata que a mudança da diretriz orçamentária causaria um impacto de R$250.3 bilhões de reais na arrecadação pública. E com essa premissa, Carmen Lúcia aceitou a modulação e o julgamento que já dura 19 anos se estendeu até 2021.
No dia 5 de maio de 2021, o julgamento da chamada “tese do século” determinou o fim da inclusão no cálculo do ICMS, dando ponto final a um dos maiores imbróglios tributários brasileiros.
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