O Conselho, ao tentar reduzir burocracias, acabou incentivando o monopólio.
Em 1º de março de 1556, Estácio de Sá fundava oficialmente a cidade do Rio de Janeiro. Na esteira da construção de uma das principais metrópoles do mundo, era instituído, no mesmo dia, o primeiro cartório do Brasil. Pero da Costa, o primeiro tabelião oficialmente designado para atuar na Terra Brasilis, foi incubido de inaugurar uma árdua tarefa: verificar e dar legitimidade aos primeiros documentos da colônia portuguesa.
E foi assim, sem muitos avanços tecnológicos e grandes processos de desburocratização, que os cartórios se proliferaram como paladinos da confiança na Colônia, no Império e na República do Brasil pelos últimos 464 anos. Isso até a maior crise sanitária do século bater à porta e empurrar uma agenda pró-inovação no colo dos monopólios oligárquicos mais próximos da sua casa.
Pra ser mais preciso, no dia 26 de maio, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu um importante passo para a digitalização e desburocratização do sistema cartorial. Em seu Provimento n. 100 de 2020, e em alguns Provimentos anteriores, o CNJ discorreu detalhadamente sobre a nova dinâmica digital que todos os serviços notariais teriam que adotar em meio à pandemia do novo Coronavírus.
Como no Brasil todo passo pra frente significa dois passos pra trás, o CNJ decidiu ignorar a existência da Lei de Liberdade Econômica e, por pressões dos tabeliães, recuou e optou por proteger os cartórios brasileiros da livre concorrência ao evocar, em pleno processo de digitalização, o artigo nono da Lei n. 8.935/1994.
Segundo a interpretação do artigo pelo CNJ, apesar dos serviços de todos os cartórios brasileiros estarem disponíveis nas plataformas digitais, o consumidor terá o seu direito a escolha negado e não poderá optar pelo cartório que ofereça o menor preço. Isso ocorre pois, segundo o artigo: “o tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do município para o qual recebeu delegação”.
Ou seja, exatos 37 anos depois da invenção da internet, o CNJ declara que uma plataforma digital que gera ampla concorrência entre os cartórios, em âmbito nacional, não poderá ser utilizada em sua completude. Porque para o CNJ não importa se o meio digital não tem fronteiras, o que realmente importa é manter, fortalecer e ampliar a fonte de renda dos que se intitulam monopolistas da confiança. Mesmo que isso implique em recriar artificialmente nos meios digitais limitações que poderiam ficar restritas ao mundo físico.
A Lei de Liberdade Econômica
Mas a história é um pouco mais complexa e a narrativa do CNJ está errada. No dia 20 de setembro de 2019, foi promulgada a Lei Nº 13.874, popularmente conhecida como a Lei de Liberdade Econômica. O projeto buscava destravar a economia brasileira ao desincentivar monopólios construídos pelo Estado. Segundo o texto da própria lei, ficou instituído que o Estado deveria agir como protetor da livre iniciativa e do livre exercício da atividade econômica.
A aprovação do projeto foi importante pois, ao desincentivar monopólios estatais, os preços administrados caem e o bem-estar do consumidor aumenta. No entanto, no Brasil, o país onde as amarras burocráticas impedem o crescimento da produtividade, nem a melhor das intenções escapa dos interesses de determinados grupos de pressão.
O problema fica evidente quando analisamos o Art. 4º da Lei de Liberdade Econômica, especificamente o inciso VI. Nesse ponto, a lei discorre sobre o dever da administração pública de evitar o abuso do poder regulatório, especialmente ao criar demanda artificial para serviços de cartórios, registros ou cadastros.
O questionamento que fica é: exigir territorialidade no meio digital não é um claro desrespeito à livre concorrência? Além disso, obrigar consumidores a depender apenas dos cartórios de seus municípios não é um claro abuso do poder regulatório? Imagino que você já tenha a resposta: vitória da oligarquia dos cartórios e tabelionatos. Derrota do povo brasileiro.
Blockchain e a digitalização dos cartórios
Se você já nos acompanha há algum tempo, este tópico não trará nenhuma novidade para você. Em abril, falamos sobre como o Coronavírus poderia dar o empurrão que faltava para o fim dos cartórios.
Ninguém aqui é futurologista, é apenas questão de bom senso. Se você realmente se importa com a crise sanitária e com a redução de gastos estatais inúteis, criar um meio digital confiável é o primeiro passo para se livrar de toda a papelada e dos preços abusivos exigidos pelos cartórios.
Apesar das novas plataformas, como o e-cartório, não utilizarem a tecnologia blockchain, ela poderia ser uma importante aliada na transição para um sistema mais seguro e eficiente, além de mais justo para os cidadãos do país. Batizada de “máquina da confiança” pela revista The Economist, ainda em 2015, a blockchain já era tratada como uma forma radicalmente inovadora de escrituração puramente digital.
Se no Bitcoin há um histórico contínuo, descentralizado e imutável de registros financeiros, dando conta de todas as transações que foram feitas, podemos dizer que sua blockchain age como um livro contábil. No protocolo, qualquer parte pode se integrar à rede ou interagir com ela, seja como um validador das novas transações, um auditor do que é feito pelos demais ou um usuário final.
É o mecanismo automático de escrituração das moedas digitais o que assegura duas questões essenciais no sistema: um mesmo usuário nunca pode gastar mais de uma vez “uma mesma moeda” e também não há como ele se passar por outra pessoa, no intuito de gastar fundos que não lhe pertencem.
Existindo somente na internet, trata-se de algo comparável ao que um registro de imóveis faz, para que somente o legítimo detentor de uma casa possa transferi-la a um novo proprietário. Quando falamos dessa aplicação da tecnologia blockchain, cabem ainda analogias com outras formas de registros tradicionais do mundo físico, os quais impedem fraudes ligadas à identidade ou à duplicidade em variados contextos.
Hoje, do ponto de vista tecnológico, não deveria haver tantas limitações online quanto os cartórios parecem possuir nas ruas. Bases de dados que não se comunicam entre algumas autarquias, contratos que rodam por dias, imposição de deslocamentos excessivos, falta da devida acessibilidade aos registros em algumas regiões e custos para o cidadão desconectados da qualidade do serviço prestado.
Ou seja, poderia haver uma cadeia digital que conectasse os pontos e resolvesse esses problemas, mas os elos capazes de a formar não se comunicam hoje. E é justamente para propósitos assim que serve a tecnologia blockchain, um meio de estabelecer confiança entre partes que não se confiam, e que por vezes desconhecem uma à outra.
Ao menos alguns passos na direção certa poderiam ser esperados, num mundo em que a blockchain já perdura: real integração entre os cartórios e suas camadas de validação e autenticação, oferta de serviços digitais verdadeiramente inovadores e repasse ao cidadão da drástica redução de custos que a tecnologia permite somar à equação.
Blockchains como a da rede Bitcoin funcionam 24 horas por dia, 7 vezes por semana, sendo acessíveis e verificáveis por qualquer um. O que a existência dessa tecnologia nos mostra ao longo dos últimos 11 anos é que, às vezes, é preciso dar espaço para que o inevitável aconteça logo. Não há burocracia capaz de segurar para sempre algo que é imparável.
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