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Economia

3 coisas que você deveria saber antes de sair por aí falando em Marco do Saneamento

Brasil: saneamento público, gratuito e inexistente.  Foi em 1933 que Gilberto Freyre publicou uma das mais relevantes obras da historiografia brasileira, “Casa Grande Senzala”. Abordando nossa formação histórica, Freyre descreve e relação entre os dois pólos de um Brasil de origem escravista. Embarque em mais de 150 horas de conteúdo exclusivo sobre o universo das […]

Brasil: saneamento público, gratuito e inexistente. 

Foi em 1933 que Gilberto Freyre publicou uma das mais relevantes obras da historiografia brasileira, “Casa Grande Senzala”. Abordando nossa formação histórica, Freyre descreve e relação entre os dois pólos de um Brasil de origem escravista.

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Dentre os relatos no livro sobre o impacto da escravidão na vida cotidiana do país, provavelmente um dos menos citados, aborda a figura de um certo tipo de escravo, os “tigres”. Durante 300 anos na história do país, os escravos tigres foram encarregados de recolher fezes e urina em todas as residências, e despejá-los em rios, ou no mar mais próximo.

Seu nome tem origem no efeito que a química dos tonéis provocava na pele dos escravos, criando manchas degradantes. Como menciona Freyre, o caso demonstra o mais puro acomodamento da sociedade brasileira com relação a ideias que ganhavam corpo por toda a europa: o saneamento básico.

Foi por este período, em que as preocupações de saneamento brasileiras se resumiam a aterrar mangues, que Paris promoveu sua ampla reforma urbanística, tendo como uma de suas bases a criação de uma rede de saneamento, em 1853.

Durante 150 anos, o sistema de água e esgoto de Paris, a cidade luz, funcionaria por meio de concessão e gestão privada, tudo isso para que hoje seu coleguinha insista por aí que a cidade é um exemplo de que “não podemos privatizar a água”.

Que o debate de políticas públicas no Brasil já foi, há muito tempo, ladeira abaixo, não é preciso que eu lhe diga, mas o fato é que questões como saneamento deveriam, em tese, estar imunes a tal polarização.

Motivos pra isso não faltam. Falar de universalização do saneamento é em essência falar de combate a pobreza, respeito ao meio ambiente, e em se tratando de Brasil, uma maneira eficaz de combater o racismo e a desigualdade.

Veja bem, existem por aqui 104 milhões de pessoas sem acesso a saneamento básico. Estamos falando de uma população equivalente a Argentina, Chile, Uruguai, Nova Zelândia e Austrália, somadas! Todos sem acesso a um mecanismo que a humanidade já conhece desde quando Julio Cezar enfrentava a aldeia de irredutíveis gauleses nos tempos de Roma.

As consequências deste abandono são claras. No Brasil, uma criança que viva em uma residência com saneamento básico tem em média 4,1 anos a mais de estudo que uma criança que viva em uma região sem saneamento.

O número evidencia a disparidade de acesso entre ricos e pobres, mas também revela outros dados igualmente assustadores. Apenas em 2018, 115 mil crianças de até 14 anos foram internadas em hospitais por problemas relacionados a questões envolvendo saneamento básico. Segundo o Instituto Trata Brasil, Ong relacionada ao setor, seria possível reduzir em 6,8% o atraso escolar de crianças apenas com garantia de acesso a um tratamento de esgoto e água em suas casas.

Milhões de horas não trabalhadas por problemas relacionados a essa questão custam ao país R$1,1 bilhão por ano, e outros R$7,2 bilhões são perdidos em turismo (junto de 500 mil empregos diretos e indiretos), são perdidos todos os anos pelo abandono de regiões carentes no país.

O dado mais assustador porém é aquele trazido pela CNI, a Confederação Nacional da Indústria. Segundo análise encomendada pela entidade, cada R$1 investidos em saneamento geram um retorno de R$3,13 no PIB do país. Em outras palavras: não há custo, e sim ganho.

Neste momento você talvez esteja se perguntando, dada toda evidência sobre o tema, porquê, enfim, não há avanços na área.

Ao contrário do que sugerem estatísticas como aquela que nos coloca atrás do Iraque em cobertura, houve sim alguns avanços, em especial durante períodos onde o orçamento público ainda comportava investimentos. O país investiu durante alguns anos, cerca de R$12 bilhões por ano na área.

A falta de continuação nos investimentos, como em inúmeras outras áreas, ocorreu justamente em função do esgotamento da capacidade de investimentos do governo. Isso porque, cabe ao governo hoje prover o serviço em 94% das cidades do país.

Cerca de 6% delas contam com serviços privados, providos por empresas como a BRK, parte da Brookfield, uma empresa canadense com mais de 100 anos de presença no país. Atendendo 6% da população do país, a BRK foi responsável em 2018 por 12% do investimento.

Afinal, o que muda com este tal de Marco do Saneamento?

Aprovado pelo congresso e agora dependendo apenas da sanção presidencial, o tal do Marco do Saneamento, é como o próprio nome já diz, um marco regulatório que prevê a maneira como contratos deverão ser redigidos, impondo investimentos mínimos, e principalmente, metas.

Como você pode conferir neste trecho, a ideia é “universalizar o acesso ao tratamento de água e esgoto até 2033”, ou seja, logo ali na frente.

Na prática, isso significa que prefeituras por todo o país deverão adotar um padrão mínimo em seus processos de concessão.

As concessões não poderão se basear apenas em valores pagos em outorgas (a grana pela celebração dos contratos), impedindo que prefeitos se utilizem da concessão para fazer caixa no presente, as custas de gerações futuras.

Não há em todo o plano qualquer intenção sobre privatizações, apenas uma exigência de que as prefeituras não possam assinar contratos com empresas, geralmente estatais, sem antes abrir uma concorrência. Isso impede que os contratos de concessão sejam empurrados pela barriga.

Por exigir que sejam feitos contratos, o marco também acaba por balizar receitas futuras de empresas, tornando o setor mais previsível, exatamente como ocorre com o setor de energia elétrica.

Com receitas fáceis de estimar e contratos balizados pela União, companhias estatais por todo o país poderão captar recursos em fontes privadas, e públicas, sem depender da boa vontade do governador da época.

Atendendo 18% da população brasileira, a Sabesp é um exemplo clássico no caso. Sozinha ela responde por 35% do investimento no Brasil, ou R$3,5 bilhões anuais. Em outras palavras, a Sabesp investe cerca de 11 vezes que a Corsan, a estatal gaúcha que atende apenas 4 vezes menos pessoas do que a própria Sabesp.

O Nordeste saiu na frente e o pragmatismo ainda vence

Ligados a partidos que comandaram o voto contrário ao Marco do Saneamento, governadores da Bahia, Ceará e outros 3 Estados da região nordeste, já anunciaram planos para abrir o capital de suas estatais, ou promover concessões.

Lembra da tal BRK, a empresa da qual os canadenses e o FGTS são sócios? Então, ela é responsável por um projeto que levará R$5,1 bilhões em investimentos para universalizar o serviço na Região Metropolitana de Recife.

A parceria da BRK é feita em modelo de PPP, junto a Compesa, que o governador Paulo Câmara já anunciou que terá uma abertura de capital. Ainda assim, mesmo que a nível estadual siga-se uma agenda em linha com o Marco aprovado pelo saneamento, a aprovação do Marco contou com oposição vinda do senador Humberto Costa, eleito na chapa do atual governador, Paulo Câmara.

Exemplos como este não faltam, e relatam não apenas a hipocrisia reinante, como também, de maneira positiva, que o pragmatismo ainda consegue superar a tal polarização.

Apenas em aberturas de capital, 3 estatais do Nordeste devem levantar R$7 bilhões, ampliando a capacidade de investimento das empresas.

Pelo Brasil, a estimativa é de que um marco que garanta ao menos R$700 bilhões.

A história não contada das “concessões que falharam”

Durante a discussão do projeto, não foi raro ver circulando por aí uma matéria da BBC que fala da reestatização em serviços de água e esgoto pelo mundo.

De fato, muitas cidades promoveram reestatizações prometendo “reduzir os custos ao consumidor”. Na prática, cidades como Berlim (que nunca privatizou o serviço e sim formou uma sociedade onde o governo era dono de 50,01% da empresa), decidiram subsidiar os serviços, reduzindo o valor da tarifa.

Em Paris, outro exemplo da lista, a história é esdrúxula, pois ignora 150 anos de gestão privada e trata como se a decisão tivesse ocorrido após alguns poucos anos sem sucesso. Ainda hoje 2 em cada 3 franceses são atendidos por empresas privadas, quase 10 vezes mais do que no Brasil).

Já aqui na Bolívia, geralmente citada como exemplo de “superfaturamento” ocorrido pela empresa vencedora, o que chama a atenção é o aumento de 300% na tarifa não contada. A parte não contada da história porém, é que a concessão durou 20 anos, e a inflação do período ficou em 270%.

Cabe lembrar que a Bolívia, país de grandes altitudes e o mais pobre da América do Sul (até 2018 quando a Venezuela roubou o posto), possui índices de saneamento melhores do que o brasileiro.

Corrigir 150 anos de descaso em um plano com metas para 10 anos talvez seja uma questão utópica, e dado nosso histórico enquanto país, pouco factível. O fato é que pela primeira vez estabelecemos um documento com metas, e não apenas boas intenções.

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