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Venezuela e Argentina observam demanda exponencial por Bitcoin

Dois dos países mais arrasados por políticas econômicas populistas, a Argentina e a Venezuela têm observado uma adoção crescente ao Bitcoin. O motivo? Proteção de patrimônio contra o risco político e cambial. Foi em 1989, ao final de uma triste década para a América Latina, que os macroeconomistas Rudiger Dornbusch & Sebastian Edwards escreveram o […]

Dois dos países mais arrasados por políticas econômicas populistas, a Argentina e a Venezuela têm observado uma adoção crescente ao Bitcoin. O motivo? Proteção de patrimônio contra o risco político e cambial.

Foi em 1989, ao final de uma triste década para a América Latina, que os macroeconomistas Rudiger Dornbusch & Sebastian Edwards escreveram o consagrado paper “Macroeconomic Populism in Latin America”.

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No estudo de caso, os economistas concluem que a região repete os mesmos ciclos econômicos em um refrão sádico. Um governo fiscalmente responsável é eleito, realiza ajustes fiscais e engata uma recuperação econômica. 

Sob o legado de seu antecessor, um populista é eleito propondo uma política monetária expansiva para “acelerar o crescimento”. O crédito barato inunda o mercado, gera distorções de investimento e permeia a economia de projetos sem potencial de lucro ou sem retornos robustos para seus investidores.

O resultado você já está cansado de saber: uma nova crise econômica se instaura, o país necessita de ajustes para retornar à trajetória saudável e, com sorte, elege novamente um presidente reformista. Tão logo as novas reformas são aprovadas, o país inicia um novo ciclo.

O enredo varia de intensidade de país para país. No Brasil, costumamos eleger reformistas ao final de cada ciclo. Na Argentina, os hermanos costumam intensificar o ciclo anterior com outra cesta de políticas monetárias populistas. Este modo de operação de uma democracia na América Latina pode continuar até casos extremos, como a Venezuela, ou ser interrompido antes de graves crises, como Peru, Bolívia e Colômbia. 

A adoção de criptoativos na região

Não por acaso a América Latina se tornou uma excelente região para estudar a adoção de criptoativos como reserva de valor e proteção ao risco político. Com sistemas bancários muito diferentes dos países de primeiro mundo, a diversificação de risco em ativos globais, como o ouro, nunca foi tão popular por aqui.

As razões variam da dificuldade de obtenção de contratos do metal precioso antes da invenção da internet, até fatores culturais, como a ultra-dependência econômica do Dólar. Historicamente acostumados a acompanhar cotações da moeda norte-americana para se proteger de crises cambiais e monetárias, não foi difícil explicar ao latino-americano a principal utilidade de criptomoedas como o Bitcoin.

De acordo com pesquisa ampla realizada pela Chainanalysis, a América Latina movimentou o equivalente a R$196 bilhões em Bitcoins no ano de 2019 e facilmente ultrapassará esta cifra em 2020. Como referência, no ano retrasado a América Latina movimentou 9% de todas as criptomoedas no mundo.

Na Venezuela, por exemplo, país onde os moradores vivem sob um governo instável, ditatorial e predatório, a inflação extrema e a instabilidade econômica tornaram os criptoativos muito atrativos. Segundo Andrea O’Sullivan, Diretora de tecnologia e inovação do James Madison Institute: “um ativo resistente à censura e inflação, como o Bitcoin, se torna uma forma muito interessante para as pessoas manterem uma reserva de valor.

Ainda segundo a Chainanalysis, o país que mais se destaca em uso relativo à sua população é a Venezuela. Com uma inflação de 10.000.000%, é inegável a importância que os ativos digitais ganharam na economia arrasada do país. Durante este ano, muitos venezuelanos utilizaram plataformas mexicanas para comprar dólares e Bitcoin para preservar patrimônio.

De acordo com o analista de pesquisa da Coindesk, Duy Nguyen, se ajustado pelo PIB, o criptomercado P2P venezuelano é, pelo menos, duas vezes maior que o segundo maior mercado do mundo, a Nigéria (outro país que sofre forte desconforto inflacionário há mais de uma década).

Vale ressaltar que esses números são referentes a 2019, quando o Bitcoin valia R$28 mil e o valor de mercado de todos os criptoativos somados ainda não havia iniciado sua escalada de 550% em pouco mais de um ano.

Embora os indicadores macro façam muito para explicar o sucesso de uma moeda desinflacionária como o Bitcoin, fatores significativos estão em jogo. Gabriel Jiménez, empresário venezuelano de blockchain que liderou o desenvolvimento da falida stablecoin nacional, Petro, disse que empresas venezuelanas costumam usar BTC como meio para obter moedas estrangeiras como o dólar.

Com enredo similar, mas intensidade diferente, a Argentina, que recentemente resolveu dobrar a aposta no que estava errado ao eleger um presidente populista, também viu o uso de criptoativos ganhar notoriedade no país.

Os hermanos, assim como o mundo inteiro, se viram obrigados a reduzir as taxas de juros da economia. No entanto, enquanto países emergentes como o Brasil alcançaram níveis próximos a zero, a Argentina só conseguiu reduzir seus juros para módicos 38%.

O resultado do caos econômico se traduz nas múltiplas cotações do Dólar no país e também na cotação do Bitcoin. Hoje são necessários 2.6 milhões de Pesos Argentinos para comprar 1 Bitcoin.

A alta demanda pelo criptoativo fez a Ripio, uma das maiores exchanges no país, saltar de 400 mil usuários para quase 1 milhão em menos de um ano.

Junto com a Ripio, outras exchanges se beneficiaram com o bom momento do mercado. A Bitso, empresa mexicana que expandiu suas operações para Buenos Aires em fevereiro deste ano, já observou um aumento de 68% nos volumes de negociação entre o segundo e o terceiro trimestre de 2020 e também alcançou a marca de 1 milhão de usuários.

O fato é que pouco antes dos investidores institucionais começarem a descobrir o potencial do Bitcoin como um ativo disruptivo no mercado financeiro, foram as pessoas físicas que, a partir da alta de 2017, entenderam a importância de uma tecnologia descentralizada e independente de terceiras partes como a blockchain.

Enquanto no mundo desenvolvido o criptoativo é utilizado por fiéis do Bitcoin e especuladores, na América Latina o uso ganha mais uma característica: mínima proteção de patrimônio a longo prazo. Se um europeu ou norte-americano compra Bitcoin preocupado em se tornar mais independente do mercado financeiro global, um venezuelano ou um argentino se preocupam em se tornarem independentes da terra arrasada que suas economias se tornaram.


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