Marcada como correta, a resposta para a desigualdade salarial entre Marta e Neymar está longe de ser uma questão de gênero, mas ajuda a entender os problemas de educação financeira no país, a começar pelo baixo entendimento da maneira como salários se formam.
Poucas coisas tornaram-se tão evidentes ao longo dos últimos anos quanto o peso da falta de educação financeira no país.
Com a crise que jogou milhões de famílias na pobreza e aumentou drasticamente a quantidade de famílias endividadas (número que hoje passa de 60%), a ausência de conhecimentos básicos sobre o tema se torna ainda mais preocupante.
São problemas dos mais diversos. Como mencionamos há alguns dias por aqui, boa parte dos brasileiros está hoje investindo em títulos que rendem abaixo da inflação, o famoso “100% do CDI”. Ao mesmo tempo, os jovens que entram no mercado de trabalho e são atraídos pelas inovadoras Fintechs, seguem com pouca ou nenhuma noção sobre o peso dos juros no dia a dia.
Neste cenário preocupante, não apenas se proliferam golpes de todos os tipos, com promessas de lucro fácil, mas também conceitos problemáticos, como salários.
Neste último domingo, 17, o Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio, voltou a reforçar erros comuns quando o assunto são “salários”, ao comparar os ganhos de Marta, capitã da seleção feminina de futebol, e Neymar.
A resposta exigida pelo ENEM se refere a diferença salarial como “o fato de o futebol ter maior base masculina no país”.
Veja bem. Não é como se o problema de gênero e renda não fosse relevante. Ao contrário. Trata-se de um tema bastante relevante, com implicações bastante sérias na renda média de um país.
O grande problema reforçado pelo ENEM entretanto está na noção de como salários se formam.
Todos os anos o futebol movimenta $1 trilhão. Cerca de $20 bilhões aqui no Brasil apenas.
Como consequência, seus profissionais acabam por estar entre alguns dos mais bem pagos do planeta.
Segundo a FIFA, a maior parte da movimentação está em direitos de transmissão e produtos licenciados.
Supor que haveria igualdade salarial baseada em gênero neste cenário não apenas soaria, como é absurdo.
Salários, em suma, tendem a convergir com a produtividade. Produtividade por sua vez é a quantidade de riqueza produzida por 1 trabalhador. Dado que homens produzem maior riqueza neste esporte, acabam por receber mais.
Neymar, Messi e CR7 são, em outras palavras, empresas que produzem riqueza para seus clubes e uma indústria. Daí seus ganhos (não apenas salários), elevados.
Negar que exista uma ligação entre salários e produtividade é um problema comum, em especial no Brasil.
A consequência é que em diversos setores nossos salários tem caído dramaticamente.
Em outras áreas a tendência segue a mesma.
Resolver os problemas de produtividade do país passam essencialmente por educação, onde o ENEM deveria apoiar, mas também passam por uma melhor alocação de recursos.
Rafael Vasconcellos, da FGV, aponta que se o capital fosse melhor empregado no país, reduzindo o chamado “Misallocation”, o trabalhador brasileiro poderia ser 146% mais rico.
Como melhorar a alocação de capital? Uma das maneiras mais fáceis de se fazer isso é justamente aumentando a participação da população e do mercado financeiro no financiamento de empresas, garantindo que projetos de maior retorno e eficiência recebam mais recursos.
Ainda hoje porém, cerca de 47% do crédito brasileiro é subsidiado, ou seja, é destinado a grupos de interesse que se articulam para receber financiamento de bancos públicos.
O resultado é um aumento da ineficiência, que se soma a baixa educação brasileira para manter nossa indústria, e serviços, longe do ideal competitivo no mundo, promovendo baixo crescimento.
A ironia da questão é que essa baixo produtividade termina manter homens e mulheres, independente de gênero, mais suscetíveis a vagas de empregos ruins. No final das contas portanto, uma defesa ruim de fatores que permitem a formação de melhores salários resulta em um país onde impera a deseducação financeira
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