Na semana em que a Petrobras chegou a marca de R$201 bilhões em vendas de subsidiárias, Ciro Gomes ganhou espaço ao defender, mais uma vez, a reestatização de ativos da empresa.
O plano de vendas começou a ser desenhado quando a estatal havia atingido o posto de “empresa mais endividada do planeta”, com uma dívida que ultrapassava na época meio trilhão de reais.
Desde então, já foram vendidos campos de petróleo, termelétricas, postos de gasolina, gasodutos e outros inúmeros negócios.
O plano, que já atravessa 3 governos, parece bem sucedida. A estatal atingiu neste trimestre uma meta ousada de redução no seu endividando, passando a dever menos de $60 bilhões, com uma relação entre a dívida líquida e a Ebitda (geração de caixa), de 1,49 vezes.
Com as contas em dia e sem preocupações (uma vez que sua dívida tem prazo médio de 6 anos), a estatal atingiu um recorde de lucro, e também de distribuição de dividendos.
Foram R$31,6 bilhões distribuídos aos acionistas públicos e privados.
Como boa parte das empresas de petróleo do planeta, a Petrobras se tornou uma “vaca leiteira”, com resultados gordos e um preço relativamente barato, afinal, empresas de petróleo não tem o charme dos tempos de ESG.
Como não poderia deixar de ser, a volta do lucro a estatal que já esteve nas cordas, trouxe de volta uma discussão sobre o papel da empresa.
Note que, ao contrário dos correios, que promovem um malabarismo contábil para mostrar que “dá lucro”, ou de estatais como a Cedae, que realiza investimentos pífios mas possui um lucro gordo, a Petrobras atingiu um posto no mínimo curioso para as estatais brasileiras.
A empresa tem promovido uma forte agenda de investimentos, e ao mesmo tempo apresenta lucros gordos.
Neste cenário, porém, a discussão sobre o preço dos combustíveis não fica de fora.
Desde janeiro deste ano a estatal já reajustou o preço dos combustíveis em 28%, em linha com o mercado internacional, que em meio a retomada da economia pós pandemia apresenta alta quase generalizada em commodities.
Para o presidenciável Ciro Gomes, a medida mostra um descasamento entre o papel da empresa e o que a sociedade espera dela.
Segundo Ciro, é de responsabilidade da Petrobras promover uma métrica de preços que não onere tanto a população.
Por se tratar de uma empresa virtualmente monopolista (não em lei, mas na prática), a Petrobras já promoveu políticas do tipo.
No início do governo Dilma a estatal manteve congelados os preços de combustíveis, o que lhe causou perdas da ordem de R$100 bilhões.
O represamento de preços provocou perdas também no setor de biocombustíveis, com o etanol sofrendo pela falta de condições de competir com a gasolina subsidiada.
O erro enquanto política pública foi evidente. A manipulação de preços para evitar aumentos no índice de inflação foi um dos fatores centrais que levaram o país a crise.
Como todas as políticas de Dilma que prevê repetir, Ciro diz que desta vez será diferente. Seu plano é, na teoria, fixar uma margem de lucro em acordo com os custos de produção da estatal.
Há inúmeros problemas decorrentes desta visão, em especial pois o país ainda é dependente de importação de derivados do petróleo.
Forçar a Petrobras a simplesmente praticar preços definidos por ela, e não pela oferta e demanda globais, significa impor à empresa um prejuízo consentido pelo custo de oportunidade.
A prática também um erro comum praticado durante a gestão Dilma: fazer política pública fora do orçamento.
Em uma democracia com pesos e contrapesos, cabe ao congresso avaliar e vigiar o orçamento público.
Ciro propõe que voltemos a fazer isso longe da esfera pública, sendo tomado como decisão em cargos nomeados pelo executivo na estatal.
Uma política pública séria colocaria este custo no orçamento da União, não apenas por transparência, mas por inferir uma discussão importante: o país deve subsidiar combustíveis ou promover outras agendas? Porque não subsidiar alimentos ou energia elétrica, por exemplo. (Note que não é preciso concordar com a ideia de subsidiar, mas a discussão deve ser transparente, coisa que como sabemos, a Petrobras não é).
O prejuízo causado aos acionistas minoritários é outro fator relevante.
O governo não financia a Petrobras há décadas. Mesmo em meio a capitalização de 2010 que financiou o boom da prospecção no Pré-Sal, quem alocou dinheiro foi o setor privado. É justo que 10 anos após investir na empresa os acionistas sejam considerados vilões ao receber dividendos?
Ainda que você concorde que os acionistas minoritários levam a empresa a tomar decisões contra o país e os consumidores, há de se considerar que um simples confisco é algo impensável.
Uma reestatização exigiria recursos públicos para compensar, do contrário, o país estaria quebrando contratos, o que levaria a um aumento de custo na dívida pública dado o risco país. Este aumento de custos consumiria os ganhos virtuais da reestatização.
Ciro Gomes não é um idiota, presume-se, e sabe disso.
Quanto então custaria reverter a política de desestatização e colocar a estatal sob controle 100% público?
Os números iniciais desta matéria dizem respeito às vendas feitas pela estatal.
É improvável chegar a um número concreto sobre o quanto as empresas em questão já se valorizaram desde a privatização em si. As mudanças em gestão são peculiares, como no caso da NTS, a empresa de gasodutos vendida por R$18 bilhões, ou a TAG, também de gasodutos, vendida por R$34 bilhões.
Considerando que a Petrobras recompre pelo exato valor que pagou, a empresa estaria pagando R$201 bilhões.
O valor equivale a um aumento de 60% na dívida da estatal, e geraria custos da ordem de R$13 bilhões por ano apenas em juros, considerando a taxa de juros média paga pela empresa.
Em uma média de 6 anos no prazo da dívida, significa retirar R$45 bilhões por ano da Ebitda da estatal para bancar as aquisições.
O valor equivale a 0,6% do PIB por ano em juros e custos financeiros que a estatal assumiria, reduzindo sua capacidade de investimento ou lucro distribuído.
Na prática, o país possui hoje 15% de investimentos em relação ao PIB. Reestatizar as subsidiárias reduziria portanto em 4% a capacidade de investimento do Brasil.
O aumento de Ebitda decorrente da reestatização, porém, é incerto, uma vez que a empresa aumentou sua geração de caixa pós Privatizações, dado o foco em exploração e produção.
Ainda assim, considerando o caso da TAG, por exemplo, a empresa tem um faturamento da ordem de R$3 bilhões. Em suma, a Petrobras estaria pagando pela empresa 10 anos de receita, para receber em troca disso um lucro de R$1 bilhão a mais. Algo pouco prático considerando as opções de alocação dos recursos.
Já se a opção for recomprar também as ações em posse de investidores privados, estamos falando de algo em torno de R$220 bilhões, considerando R$190 bilhões em valor de mercado além de um prêmio básico sobre o preço de fechamento, comum em OPAs (Oferta Pública de Aquisição, a prática de fechar o capital de uma empresa).
Em termos práticos, este valor equivaleria a aumentar a dívida pública brasileira em 5%, com um impacto de juros da ordem de R$12 bilhões anuais a mais pagos aos investidores que, muito possivelmente, elevariam o custo da dívida brasileira.
O valor é o mesmo que 5 anos de investimento direto feito pelo governo federal, além de 20 vezes o gasto anual do Brasil com saneamento básico, uma demanda crucial e histórica.
Em suma, a ideia de Ciro assume um uso duvidoso para a estatal, e promove uma prática danosa de política pública, ao jogar para uma estatal, uma função que deveria ser do governo federal, se este julgar necessário.
O custo de políticas públicas mal desenhadas tem sido, historicamente, um dos maiores erros brasileiros.
Cabe repensar se isso é de fato necessário no momento.
Há poucas dúvidas de que o preço dos combustíveis precisa de alguma política que impeça sua volatilidade, mas menos dúvidas ainda de que devamos voltar a usar a Petrobras para isso.
A alta recente possui componentes monetários, como a política do banco central que desvalorizou o real, que não podem ser tratados em uma planilha de custos de uma estatal.
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