Como o afrouxamento sob leis de zoneamento e construção de edifícios luxuosos alivia a pressão sobre preços de moradias e favorece indiretamente a população não elitizada.
Em setembro de 2014, um grupo de 600 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST) liderados pelo ex-candidato a prefeito de SP, Guilherme Boulos, realizaram uma manifestação contra um condomínio de luxo no Morumbi, Zona Sul de São Paulo.
O movimento afirmava que o terreno onde o empreendimento milionário se situa está em uma Zona Especial de Interesse Social (Zeis), onde seria permitido a construção de moradias populares. E pediram a desapropriação do terreno para a construção das casas para os membros sem teto.
Os populares que participaram do movimento não sabiam, mas o pensamento envolto nesse tipo de manifestação viria a funcionar como um tiro no pé para a sua causa.
Defendido por uma aliança entre movimentos como o MTST e proprietários cínicos que buscam a valorização de seus imóveis, a tese é: Caso os governos municipais removessem as barreiras de zoneamento que estão por trás da escassez de moradias, as construtoras iriam construir apenas apartamentos e condomínios de luxo. Essas moradias seriam alugadas e vendidas por preços inacessíveis para a população comum ou ficariam vazias diante da falta de demanda existente por elas.
Esse pensamento cativa a mente do senso comum, mas ignora algumas questões também relevantes, e que tem ganhado força conforme o fracasso de habitação toma conta de grandes cidades pelo mundo.
Um exemplo notório da relevância que essa questão tem tomado é a decisão recente do governo Biden de favorecer cidades que tenham leis mais propícias ao adensamento urbano.
A lógica ali é bastante simples. Cidade mais densas demandam menos de automóveis, possuem menores custos para oferta de serviços públicos de transporte, saneamento e telecomunicações.
Como Edward Glaeser conta em “os centros urbanos, a maior invenção da humanidade”, o adensamento da espécie permitiu uma crescente cooperação e divisão do trabalho, elevando assim o padrão de vida daqueles que nela habitam.
Ainda que consideremos a questão batida, sem necessidade de discussões, há um outro ponto relevante, que sempre volta a chamar atenção: a especulação imobiliária.
Sob o fantasma da especulação imobiliária, associação de moradores tem buscado frear construções nos mais diversos bairros do país. Parece razoável supor que tais moradores devam contribuir com as decisões sobre os bairros em que moram, mas a questão vai além.
Buscando “não prejudicar os moradores já estabelecidos”, associações do tipo tem privatizado espaços públicos, definindo elas mesmas regras de ocupação nas cidades, e em última instância, definindo regras sobre a propriedade de moradores que discordem destas regras.
Um morador do Pacaembu, bairro da capital paulista, pode ser proibido de vender seu imóvel para uma construtora, a despeito de a regra permitir, pois outros moradores, acreditando que isso poderia desvalorizar seus imóveis, assim o decidem.
Mas em toda essa discussão, é o luxo que mais gera polêmica. Sendo que no final de tudo, o segredo mais bem guardado sobre o luxo é que, se você continuar construindo, eventualmente haverá o suficiente para todos.
Segundo Nolan Gray, planejador urbano e pesquisador habitacional na UCLA, um empreendimento de luxo é o sintoma de uma série mais ampla de problemas, e ao mesmo tempo parte da cura deles. O que torna as novas moradias caras não são os luxos exibidos por corretoras, e sim o contexto de escassez presente no mercado.
Em um cenário onde poucas moradias estão disponíveis, o preço de qualquer coisa construída em um bairro bem localizado de São Paulo vai ser exorbitante para a realidade. E a solução para isso não é interromper novos empreendimentos luxuosos, e sim construir mais deles, principalmente em áreas afluentes.
Em um estudo de 2019, o economista Evan Mast descobriu que o desenvolvimento caro em bairros nobres desencadeia uma reação que se estende até o fundo do mercado imobiliário, uma vez que residentes mais ricos desocupam unidades antigas por novas. Os dados afirmam que para cada 100 unidades construídas à taxa de mercado, até 48 famílias de renda moderada podem mudar para moradias de maior nível.
Desta forma, as moradias de luxo podem silenciosamente gerar moradias populares de nível elevado assim que os primeiros moradores se mudarem.
Na mesma cidade de São Paulo, o bairro Jardim Europa, onde mora o governador, é um ótimo exemplo. Trata-se de uma região sem qualquer vida a nível da calçada que se situa entre dois polos importantes de SP, exatamente no centro econômico da cidade mais importante do país.
É uma região privatizada e excluída do restante da cidade, justamente pela ausência de prédios.
A cidade de Houston revela como a flexibilização das regras de zoneamento pode ser realizada: Em 1998, com uma iminente crise imobiliária, os planejadores da cidade reduziram o tamanho mínimo de lote de 5.000 a 1400 pés quadrados, de modo que as casas passaram a ser fragmentadas em sobrados menores.
Os resultados dessa política adotada falam por si só. Nos últimos 20 anos Houston atraiu quase 500.000 novos residentes e mais de 25.000 novas moradias foram construídas em bairros bem localizados, tornando Houston uma das cidades mais acessíveis dos EUA.
Mas enquanto isso, as prefeituras municipais no Brasil insistem em implementar políticas de zoneamento em bairros nobres que, por sua vez, dificultam cada vez mais a implementação de novas construções de imóveis que viriam a tornar uma região bem localizada mais acessível para a população de menor renda. Suprimindo a população periférica para locais que proporcionam uma qualidade de vida inferior.
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