Que tal voar entre São Paulo e Rio, Curitiba e Salvador, BH e Fortaleza pagando exatos R$ 0 pela sua passagem? Calma, não se trata de nenhuma promoção maluca ou alguma lei sobre “Passe Livre” aprovada por aí. De fato, este é um papo bastante sério, discutido por uma das maiores empresas aéreas do mundo, lá do outro lado do Atlântico: a Ryanair
A promessa pode parecer maluca, ainda mais em momentos como o atual, em que a indústria de aviação sofre com inúmeras incertezas. Mas, segundo seu presidente Michael O’Leary, seu objetivo é fazer com que em 10 anos ninguém mais precise pagar pelo próprio bilhete. Indo e vindo de qualquer capital européia.
Michael, porém, não é nenhum maluco de ideias mirabolantes, mas alguém que entende, e muito, o setor em que trabalha. Para enfrentar o Coronavírus, por exemplo, a empresa se preparou para operar 1 ano sem qualquer voo, em uma prova de que leva a sério quando o assunto é reduzir custos e manter os pés (e os aviões) no chão.
No último ano, sua empresa levou 131 milhões de passageiros, número consideravelmente maior do que os 89,9 milhões de brasileiros que voaram em todas as empresas aéreas do país. Para completar, a Ryanair o fez cobrando módicos R$ 0,11 por km viajado, contra R$ 0,31 das empresas brasileiras.
Se em tudo isso parece ser difícil acreditar, saiba que para a empresa está longe de ser um mau negócio, pois nesse mesmo ano a companhia lucrou em média 1 euro para cada 5 que faturou. Enquanto que, no Brasil, a maior empresa do setor (Gol) precisou faturar R$ 34 para lucrar R$ 1. Na prática, a Ryanair cumpre exatamente aquilo que a mesma Gol tinha como visão original de negócio quando inaugurada em 2001: ser uma empresa de baixo custo.
Ainda que tenha colaborado para mudar radicalmente o cenário brasileiro, ajudando a reduzir o preço médio das passagens no país em mais de 43% nos seus 10 primeiros anos de vida, há uma distância razoável entre as duas empresas. O que impede a brasileira de cobrar valores ainda menores, como a irlandesa Ryanair.
Por lá, a empresa é um exemplo de adoção de tecnologias que minimizam custos. Não apenas a Ryanair foi a primeira empresa do mundo a vender passagens online, como também a primeira a adotar tecnologias como blockchain, para controlar riscos em decisões tomadas por piloto.
De maneira simplificada, a rede garante que decisões consideradas “arriscadas”, como voar com pouca margem de combustível, sejam imediatamente deletadas, reduzindo a quantidade de incidentes em voos. Mas essa não é exatamente uma novidade ao se tratar de Brasil…
Por aqui, voar de avião foi por muito tempo um luxo, e companhias aéreas quase sempre foram caso de polícia de maior ou menor grau, seja com aquisições estranhas, como a compra da VASP em um esquema envolvendo PC Farias e o governo Collor, ou mesmo frugalidades, como a moda da elite carioca nos anos 80, que ostentava talheres e latinhas de caviar furtados da Varig.
A mesma Varig reinou absoluta nos céus do país, graças ao apoio de diversos governantes que lhe garantiram exclusividade em rotas internacionais, em troca de pequenos mimos como passagens gratuitas para parlamentares.
Tendo falido, em partes por problemas de gestão como os citados, ou pelo congelamento de preços, a empresa não chegou a testemunhar a “nova era da aviação brasileira”, quando em 2005 o governo finalmente deixou para trás os tabelamentos de passagens e outras intervenções do tipo. Em 2007, o que restou da empresa foi adquirida pela estreante Gol.
Baixa concorrência e principalmente uma infraestrutura deficitária distanciam as empresas brasileiras de companhias como a Ryanair, ou outras empresas de baixo custo como Easyjet e Spirit
Coisas como cobrar mais de quem carrega maior peso em bagagens, visto com desconfiança por aqui, são comuns nessas empresas há pelos 30 anos. Cobrar pelo lanche já era prática corriqueira enquanto a Varig ainda distribuía talheres de prata para o jantar.
Voar nestas companhias, porém, tem seu preço. Não há muitos voos entre os maiores aeroportos de cada região, o que permite a elas barganhar o custo em taxas de operação e devolvê-los no preço da passagem. Enquanto por aqui planos como construir 800 aeroportos regionais são apenas promessas de campanha, por lá, é prática corrente há anos.
O resultado são taxas menores para operar os aviões. A lógica é simples: se todos querem a comodidade de pousar em Congonhas, dentro de São Paulo, e não em Guarulhos, o preço em Congonhas sobe e o da passagem idem. Mas, claro, cobrar a mais por uma mala ou marcação de assentos não é exatamente todo o segredo, é preciso prezar pela eficiência até a última gota.
A consequência disso é bastante ampla. Enquanto um avião da Ryanair tem em média 5 anos de vida, um avião da Gol tem 9,4 anos. E um avião da TAM 8 anos. Lógica simples: aviões mais novos consomem menos combustíveis, custando menos para operar. Renovar a frota não é lá exatamente muito fácil, quando você paga um dos juros mais altos do planeta para se endividar.
Em outro momento, pode significar uma redução drástica de equipes em solo, graças a medidas como cobrança pelo check-in presencial. Reduzindo isso e fazendo com que o passageiro imprima seu próprio cartão de embarque, há menos necessidade de funcionários, logo, menos custos e passagens mais baratas.
Medidas como essas podem parecer exageradas, e de fato muitas pessoas as consideram como um serviço de qualidade inferior, fato com o qual não é difícil de concordar. Mas ainda assim há uma razão central nisso tudo: a possibilidade de escolha.
Enquanto por aqui a ideia de cobrar por bagagens precisa ser avaliada pela ANAC, pelo congresso e então levada adiante, para empresas como essas a decisão cabe apenas a quem compra suas passagens, respondendo a uma pergunta simples: você precisa destas comodidades para voar? Se a resposta for sim, Air France, KLM, British Airways e similares certamente terão serviços de bordo melhores e maior conforto. Se a resposta for Não, tudo bem, você pode optar por pagar até 50% menos. Ou mesmo voar de graça, muito em breve.
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