Nos 2 minutos em que você terá lido este artigo, cerca de R$786 milhões terão pulado entre um celular e outro na China, via apps de pagamento mobile. Trata-se de uma quantidade tão absurda que demandaria exatas 14h para que empresas como PagSeguro ou Cielo registrassem o mesmo valor em transações por cartão por aqui.
Apenas em 2018, os cerca de 750 milhões de chineses conectados à internet via celular, transacionaram 277,2 trilhões de yuans, ou 500 vezes mais do que a Cielo, maior empresa do setor no Brasil.
País que inventou o papel moeda, a China deve se tornar também a primeira grande economia a abolir seu uso. Razões para isso não faltam, claro. Com uma população relativamente jovem e uma classe média conectada com celulares modernos (cerca de 97% dos chineses conectados a internet o fazem via celular, e boa parte utilizando marcas como Xiaomi e Huawei), os apps de transação se tornaram virais no país.
Nada menos do que as duas maiores empresas de tecnologia da Ásia, Tencent e Alibaba, têm em transações financeiras a sua base de receitas mais sólidas.
Com o sucesso das medidas, que explodiram no início desta década, o Banco Popular da China, o BC do país, virou-se para aquilo que pode ser a principal ameaça ao dólar como moeda global: o yuan digital. A ideia, que está em testes de 2018, prevê que o yuan possa se utilizar da tecnologia blockchain, criando assim uma estrutura confiável de transações globais.
Para além dos trilhões que planeja injetar na economia por meio de investimentos, a China, que já é a maior parceira comercial de boa parte do planeta, incluindo o Brasil, prevê ampliar a conversibilidade da sua moeda.
Veja bem, a ideia de atrelar moedas nacionais a uma rede blockchain não é lá uma novidade. Pelo mundo, iniciativas do tipo já ganharam corpo, como a Libra, do Facebook. O problema, é claro, é regulatório.
Enquanto o Facebook e seus parceiros devem se sujeitar a inúmeros órgãos reguladores ao redor do planeta para validar seu produto, a China consegue com maior facilidade ultrapassar essas questões.
Por aqui, neste canto de mundo onde democracia e privacidade são questões importantes, discutimos ainda o quão nocivo pode ser uma empresa conhecida por violar a privacidade de seus usuários (o Facebook), deter tamanho poder.
Ao contrário de outras propostas no universo de criptos, o yuan chinês não deve conter uma cesta de moedas para garantirem o valor, como é o caso das stablecoins. Seu valor será determinado pelo Banco Central chinês.
Mas, afinal, o que isso importa para o resto do mundo?
Com planos de investir $4 trilhões na chamada “rota da seda do século 21”, não restam dúvidas de que a China deverá ter um impacto cada vez mais significativo em economias ao redor do Ásia. Sua posição de credor líquido do mundo, injetando trilhões de dólares em empreendimentos, a colocará em uma posição confortável de negociação. O grande problema nisso tudo, porém, não muda.
De acordo com o Banco Internacional de Compensações, o yuan é responsável por apenas 2% das transações globais, contra 8% do iene japonês, 16% do euro e 44% do dólar. Isso significa dizer que para fazer investimentos em outros países, Pequim ainda precisa se utilizar do dólar.
Na prática, a adoção universal do dólar diminui o poder de Pequim, tendo em vista que para obter dólares, o país precisa buscar estes dólares ao exportar produtos e serviços para outros países.
Ao forçar a maior adoção do próprio yuan, seja pelos seus parceiros comerciais ou via investimento direto, Pequim precisa garantir a maior conversibilidade da sua moeda, daí a utilidade da tecnologia blockchain nos planos do governo central chinês.
Assim como o dólar garante aos EUA o que os economistas chamam de “privilégio exorbitante” (a capacidade dos EUA de adquirirem produtos no mercado internacional imprimindo dólares), a decisão na China pretende tornar o país cada vez mais central nas tomadas de decisões ao redor do planeta.
Os ganhos de uma moeda digital
Você consegue imaginar transferir US$ 337 milhões entre dois países pagando 40 centavos ou menos em taxas? Para quem já está acostumado ao Bitcoin, essa é uma realidade cotidiana (não a de transferir milhões, é claro, mas a de facilidade e custo baixo).
Com o uso da blockchain, os ganhos sobre uma moeda analógica são imensos. Não há finais de semana, custos exorbitantes e demora nas transações.
Pegue por exemplo os 4 maiores bancos brasileiros. Para mandar dinheiro para o exterior, um banco como o Bradesco ou Banco do Brasil, cobram entre 1% do valor transacionado até $100 dólares, além das limitações, é claro.
Para um governo que adote a blockchain, a tecnologia se tornará não apenas uma maneira de ampliar suas transações com parceiros comerciais, como também uma maior soberania, reduzindo a necessidade de pagar pedágio para os bancos e meios tradicionais.
A ameaça chinesa ao dólar, porém, não ocorre sem revide por parte do Banco Central americano, o FED. Há iniciativas no país que correm para garantir a adoção de um dólar digital, como a liderada pelo ex-CEO da CFTC, a comissão de negociação de commodities e futuros.
Em janeiro deste ano, Christopher Giancarlo lançou a “digital dollar foundation”. Sua proposta é produzir um whitepaper (um documento com informações sobre sua proposta de dólar digital) que demonstre a usabilidade do novo dólar.
Com a crise do Coronavírus, o congresso americano chegou a estudar a questão para garantir acesso aos seus cidadãos dos recursos prometidos para diminuir o impacto econômico.
A medida não chegou a ir adiante em função do tempo, mas o certo é que crises como a atual ajudarão a criar um consenso de que depender de envios de cheques para apoiar a população, quando há opção de transferir recursos de maneira tão simples quanto enviar uma mensagem de texto, pode ser uma perda de tempo crucial para muitos.
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