Foi em 2017 que a Tencent, a gigante de tecnologia chinesa que controla o WeChat, adquiriu uma participação de 5% na Tesla.
Dali em diante a relação com o país asiático, onde estão 4 em cada 10 veículos elétricos do mundo, começaria a mudar. Em questão de meses, Elon Musk não apenas refinaria Shangai como a localização da nova fábrica da Tesla, como também conquistaria um feito raro: autorização para controlar sua operação integralmente no país.
Em abril de 2018, a Comissão Nacional de Desenvolvimento anunciou que até 2022 as fabricantes de automóveis poderiam ser donas de 100% de suas operações, e não apenas 50% como antes, com as montadoras de veículos elétricos ganhando autorização quase imediatamente.
O período foi marcado pela guerra comercial entre Trump e a China, com o governo de Pequim buscando gerar manchetes que mostrassem sua “boa vontade” com empresas estrangeiras, em especial americanas. Musk não apenas entendeu isso, como se aproveitou do fato para obter benefícios.
A empresa recebeu pacote completo: compra de terra subsidiada, financiamento de bancos públicos e um contrato com a construtora China State Construction Engineering.
A preocupação do governo chinês entretanto não se deu apenas por questões de “manchetes”, mas um incômodo causado pelo fato dos veículos da montadora americana vendidos no país até então serem apenas importados.
Dentro dos planos do governo central, veículos elétricos ganharam um peso relevante, com uma combinação de subsídios e incentivos para alavancar indústrias locais nesse novo segmento.
A China não apenas recebeu a Tesla de braços abertos, como também incentivou suas próprias montadoras.
Fabricantes como a Nio, de veículos de luxo, autoproclamada concorrente da Tesla, também ganharam incentivos similares. Já a Byd, empresa que tem Warren Buffett entre seus investidores, se tornou a maior fabricante do mundo no setor, também com uma empurrão do Estado chinês.
O apoio a Tesla, porém, não se limitou a construção da fábrica. Em fevereiro de 2020, enquanto o país ainda reprimia o surto de coronavirus, a Tesla recebeu autorização para abrir sua fábrica.
Ônibus arranjados pelo governo levaram trabalhadores para a Giga Shangai, enquanto toda fábrica havia sido esterelizada com desinfetantes de compra restringida pela autoridade central. A fartura da máscara N95, uma das mais seguras do mundo, também contrastava com outros controles.
A situação, entretanto, não é uma lua de mel eterna entre Musk, famoso pelo seu apelo liberal no ocidente, e Xi, o comandante da ditadura chinesa.
A situação começou a mudar radicalmente em março deste ano.
Em meio ao salão do automóvel, uma manifestante subiu em um capô de um Tesla para denunciar que “os freios dos veículos não funcionavam”. O ato foi gravado por diversas pessoas e viralizou na internet.
A questão se somou a um outro caso, desta vez nos Estados Unidos, quando um carro da montadora foi encontrado batido contra uma árvore com nenhuma das duas vítimas fatais ao volante.
A montadora então ganhou um ar de “soberba”, ao ser criticada por desdenhar de problemas e atribuir eventuais falhas aos próprios clientes.
Ainda que não se tenha qualquer evidência de falha mecânica, a narrativa colou, ao menos por agora.
A mídia chinesa, leia-se a mídia do Partido Comunista Chinês, tem promovido uma campanha que coloca a montadora em maus lençóis.
Críticas a Tesla se tornaram comuns no país asiático, ganhando ainda mais força em função da preocupação que o exército do país possui em relação à montadora. Acusações de transferência de dados de motoristas chineses aos Estados Unidos começaram a ganhar tração no PCC. Além disso, Veículos da Tesla foram proibidos em áreas militares chinesas devido às suas câmeras.
Até o momento, os dados do impacto das medidas ainda estão sendo contabilizados.
Em abril deste ano, a venda de veículos elétricos na China caiu 10% em relação a março, contra uma queda de 27% da Tesla.
Estes números, porém, incluem unidades produzidas no país, mas exportadas. Quando consideradas apenas as vendas locais, a queda foi de 75%.
O apoio do governo chinês aos veículos elétricos pode ser traduzido em um número: 4,5% de todos os veículos vendidos no país, o maior consumidor do planeta, são elétricos. Trata-se de um percentual duas vezes maior que nos Estados Unidos.
Com sua posição abalada em um mercado que apesar de responder por 12% da sua receita, é o de crescimento mais rápido, a Tesla segue com queda de 30% no seu valor de mercado em relação ao pico de janeiro deste ano.
A perda significa $70 bilhões a menos no patrimônio de Elon Musk. Resta saber se os ganhos em Dogecoin compensaram.
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